Sobre Saturno e o tempo
Saturno tem muitas famas por aí, muitas delas de ser um planeta duro e ranzinza, coisas que ele de fato é, afinal a velhice também vem com seus cansaços. Mas Saturno também carrega consigo o símbolo do tempo, esse que a gente muitas vezes interpreta de forma pequena porque refletimos nele nossa própria finitude.
É cultural nossa perspectiva de que o tempo é linear, isto é, que vivemos em uma sucessão de eventos contínuos, irrepetíveis e irreversíveis. É aquele famoso: é pra frente que se anda. Se acreditamos que o tempo é linear, também acreditamos que vivemos em linha reta, que o que já foi jamais será novamente, mas se analisarmos a história do mundo ou até mesmo nossa própria história, facilmente percebemos que os caminhos são feitos de muitos retornos e ciclos de repetição. Não é à toa que existe todo um estudo sobre repetição em psicanálise: estamos constantemente lidando com o que nos atravessa a partir dos mesmos mecanismos e dores porque isso nos economiza psiquicamente de pensar alternativas e agir com ferramentas diferentes, que a gente desconhece. Justificamos com "eu sou assim, quem quiser gostar de mim, eu sou assim", já dizia o poeta.
Claro que isso diz de uma esfera individual, mas a forma como olhamos pro tempo é marcada pela individualidade. O que me chama a atenção é que ao falarmos de seguir em frente entramos na ilusão de seguir em linha reta e que não vamos esbarrar novamente nessas dores e traumas. Entramos na ilusão de que não voltaremos a viver os mesmos eventos - com maquiagens diferentes - e a isso damos o nome de progresso, como se voltar não fosse tão caminho quanto seguir adiante. Voltar pra casa, voltar pra si… tudo isso faz parte da nossa relação com o tempo também.
Se o tempo é saturnino é porque ele é sábio demais pra acreditar em si da mesma forma que nós - ele sempre soube de sua não linearidade. O tempo aporta de tudo um pouco: o amor e o luto, a ascensão ao poder e a sua queda, os fins que também são começos porque, no limite, todos nós vamos embora desse mundo e é no tempo que a nossa história fica inscrita. No tempo linear a nossa história tem começo, meio e fim e é a partir desse vislumbre de que tudo acaba que aceitamos olhar pro tempo como finito. Mas o tempo em si, assim como Saturno, nunca morre, ele segue rumo a sua infinitude.
Mar Muricy
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